domingo, 28 de dezembro de 2008

Só pra avisar.

Esses dias eu publiquei todos os rascunhos que eu estava esperando organizar, porque eu cansei e já tinha esquecido qual era a ordem e o caralho.
Então publiquei tudo de uma vez.
Não, não estão na ordem. Estão soltos e se alguém se interessar em ler, muito obrigado.
Se não, foda-se também.
De qualquer forma, sai dessa internet e vai fazer sexo. É mais proveitoso.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

A Dama da Noite.

Parece que entramos numa fase de analisar adaptações, né? Não que eu esteja reclamando... Tá, estou, mas só por puro esporte. Não é algo para ser levado a sério.
Analisar adaptações de textos que eu conheço (e gosto) é difícil porque eu busco alguma semelhança com o original. Eu quero que o novo autor tenha capturado pelo menos um pouco do "feeling" que o original tinha. Se ele conseguir ultrapassar isso e criar uma obra pessoal a partir do texto, melhor ainda.
Dito isso vamos falar do curta A dama da noite, com Gilberto Gawronski e dirigido por Mário Diamante, baseado no texto homônimo de Caio Fernando Abreu.
Vou começar com uma pergunta , e ela vai fazer mais sentido para quem já conhece o texto: Por que diabos todo mundo caracteriza a "dama" como um homem travestido? Sério, acho que isso ultrapassa o âmbito do texto e entra no fetiche pessoal do realizador. Eu já vi mais de uma adaptação desse texto feito dessa forma e nenhuma chegou ao ponto do texto, nem jogou uma nova luz sobre o original. Sempre se resumiu a uma bichice exagerada.
Talvez porque o personagem do travesti, como nós (classe média apavorada) o conhecemos e caracterizamos, seja algo fraco para conceber a cria de Caio Fernando. O personagem do conto é um simulacro, fato. Mas é um simulacro que demonstra lampejos de humanidade e sentimento crus, por vezes excessivamente bregas. É o contrapeso emocional que seus personagens encontram para tornar suas vidas suportáveis.
Eu sempre vi o personagem do conto como mulher. Talvez porque eu nunca tenha encontrado um travesti que me mostrasse, em cena, um oco emocional daquele nível. São cruezas encobertas de esperanças. E o ator não faz isso.
Sem contar que o fato de todo o texto do conto se resumir a uma performance de drag queen não ajuda, né? E quero dizer isso literalmente, a trama se desenrola assim.
Tem gente que gosta de coisas bem construídas, estruturadas. A mim, elas não incomodam, são até prazerosas de se ver. Mas sem sangue, sem vida interna, não valem o meu tempo. É assim que o filme aparece: Tudo faz todo o sentido. Quase nada vaza. E é só bichice.
A maior parte dele.
Existem dois momentos pelos quais vale a pena assistir o curta. O primeiro é uma interrupção no monólogo do protagonista por uma garota. E isso dá uma pontada naquele lugar do seu peito onde você não lembrava que tinha guardado aquela ânsia mal resolvida. Aquela mesma.
E o outro momento é o final. Ah, que momento delicado e cortante. Talvez porque não tenha sido tirado do A Dama da noite e sim de Harriett, outro conto de Caio Fernando Abreu. Diga-se de passagem, fiquei morrendo de vontade de ler esse conto. Talvez o diretor devesse ter feito um curta desse último. Ele captou melhor o cerne da coisa e ainda deu um toque pessoal.
Ah, acabei de ler o conto. E é lindo.
Acho que não tenho como concluir isso aqui bem. Me veio aquela dor que ataca vezenquando.

Ainda é dezembro.

Eu já falei, em algumas resenhas sobre o festival de Curitiba, de adaptações. Adaptações de filmes, adaptações de livros, de poemas. O problema de transferir uma mensagem de um canal de comunicação para outro são todos os empecilhos que faziam algo valer a pena ser lido, por exemplo, não valer o celulóide no qual foi filmada sua adaptação. E vice-versa.
Isso acontece especialmente com narrativas no qual a ação é interna, como Clarice Lispector ou Virginia Woolf. A opção mais frequentemente usada é uma narração em off que destrói completamente o motivo por trás de uma adaptação. Eu penso : Pra quê você está lendo o livro pra mim? Tenho cara de analfabeto?
O conflito entre os meios usados para passar a mensagem e a superação deles é o que produz uma obra interessante. Eu não quero ver uma leitura, eu quero que o autor da adaptação insira sua marca pessoal na sua obra, sem perder de vista a original. Em alguns sentidos, é mais difícil fazer uma adaptação do que começar algo do zero. De certa forma é trabalhar uma obra do zero mas mesmo assim ter por trás uma série de parâmetros pelos quais se guiar. Só que se enveredarmos por esse caminho vamos entrar numa discussão retórica infinita, e eu não sou grande fã de masturbação teórica.
Fui assistir "Ainda é Dezembro", peça baseada nos textos de Virgina Woolf. Assistir teatro em Natal sempre me incomoda por causa do simbolismo vazio. Mas, confiando nas cabeças pensantes por trás do processo, fui lá.
Na entrada, a platéia foi dividida em duas. Ao passar por um túnel feito de pequenos praticáveis de madeira (experiência claustrofóbica), metade da platéia sentaria em volta de onde se daria a encenação e a outra metade ficaria no túnel. Como eu não pude ficar no túnel, só ouvi o momento inicial da peça, que foi apresentado num local onde apenas as pessoas que ficaram presas poderiam ver.
A experiência sinestésica diferenciada e o uso de elementos sensoriais ao invés de simbólicos demonstra uma noção muito boa do texto com que estão lidando: As coisas não simbolizam por si só, elas têm que significar algo, e isso tem que ser passado para o público. Essa experiência de sentir o desconhecido ao adentrar o túnel (ok, ok, sem piadas aqui) me inseriu naquele universo: O universo de Virginia Woolf, onde as coisas existem e se apresentam para mim antes que eu possa nomeá-las. O mundo é arbitrário, fugaz e inominável, e nossa vida, frágil. Nessa entrada eu senti o que quer dizer "Viver, por um dia que seja, é algo muito perigoso."
Durante a peça, os momentos que mais me tocaram foram aqueles nos quais as palavras não eram usadas. Eu tive certas epifanias, e um espetáculo ser capaz de fazer isso já é algo incrível. A mais forte ocorreu durante os momentos em que as atrizes se tocavam no centro do palco. A energia que elas construíam, as imagens, o que aquilo passava para mim era equivalente a ler algo de Virgina Woolf: Eu vi o vazio da vida, dos corpos, das emoções. Esse vazio que nos leva a fazer contato com outras pessoas. O vazio que tem sede.
E, em Virginia Woolf, isso alcança um caráter de homossexualidade. Não vai além do sexual em busca de um mero toque de um corpo no outro (que às vezes pode significar muito), mas passa por uma definição muito clara de gênero: O homossexualismo feminino, não como uma inversão de papéis e repetição de pólos positivo\negativo, ativo\passivo ou masculino\feminino, como tanto se advoga em certas teorias, mas o homossexualismo feminino como encontro de seres que são massas de desejo. O feminino como vazio que busca algo para preenchê-lo, que busca nome para seu amor. Não sei se gênero está irrevogavelmente gravado em nossos corpos, mas essa noção é algo que eu nunca poderia ter de outro modo que não fosse assistindo essa peça. Eu vi como o feminino se coloca no mundo, eu vi desejos afiados como lascas de osso (para citar As Horas) dançando e se entrecortando para encontrar algo. É uma entrega, um desapego e um amor que eu nunca conseguiria ter enxergado de outra forma.
Sim, existem problemas técnicos na peça, existem momentos que podem melhorar em qualidade para refletir outras características dos textos de Virginia Woolf, como por exemplo o movimento das ondas do mar. É um espetáculo que, na minha opinião, está em fase inicial de desenvolvimento. Ainda tem muito para desabrochar.
Mas isso é um detalhe. O importante é que há uma semente. E com isso se pode fazer qualquer coisa.