sábado, 5 de abril de 2008

Mais Críticas do festival de Curitiba.

(OK, estou colocando esse balaio em ordem. Com sorte eu consigo tirar isso do sistema antes de ir para a FENART e ver mais peças.)

Dia 22/03
2ª peça: Scarrol: Da trilogia da duquesa à queda da rainha.
Do Grupo Heliogábalus
Alice no País das Maravilhas e Alice Através do Espelho. Parece que todo grupo de teatro já fez uma adaptação, uma releitura, uma citação que seja, de uma dessas duas obras de Lewis Carrol (ou das duas). E sempre fica parecido, a não ser que o grupo coloque novos ingredientes na mistura como o grupo Armazém fez. Mas para inserir novos ingredientes numa gororoba como Lewis Carrol é necessária pelo menos uma estrutura básica no sentido financeiro, já que representar o tema surreal de Alice literalmente seria pobre, ou no mínimo limitado*, e imergir o espectador exige uma dose considerável de efeitos cênicos (que custam $$$) sem falar em elementos performáticos para acrescentar realidade à teatralidade.
Se for para escolher um dos dois, fique com a performance e jogue o dinheiro fora (digo, pague os atores).
Os efeitos cênicos, caros ou baratos, serviriam para aprofundar a platéia no espetáculo, ou seja, seu efeito seria performativo. E profundidade é a proposta do Grupo Heliogábalus que, em Scarrol, segue fielmente a origem artaudiana do seu nome. Isso é feito com performances.
A escolha do local colabora. A Casa Vermelha oferece um leque de possibilidades que não o palco frontal. As cenas descem as escadas, aparecem atrás do público, ocorrem no segundo andar enquanto estamos no primeiro. Como algumas cenas são simultâneas, não sabemos onde será a próxima nem se irá envolver a nós, o público. Isso nos deixa nervosos. E isso para mim é teatro.
Com a apresentação inicial dada pelo Gato de Cheshire (pelo menos eu acho que era ele, com aquele sorriso macabro) o tom da peça fica claro: A crueldade presente em Alice, incluindo o tom sexual. Poderia ser só um show de horrores ou uma tentativa de chocar o público tornando explícita a sexualidade que é apenas subtexto na obra original. Mas é muito mais que isso.
Um texto que entra em conflito com as imagens formadas, o público levado a interagir com os atores e o cenário, momentos genuínos de tensão graças à expectativa que é construída em nós. Tudo o que Artaud queria. O grupo Heliogábalus transforma Alice em peste e terror. E dessa forma os problemas técnicos tornam-se irrelevantes (houve algum?) já que estamos tão tomados pela energia da encenação. Não, nem todos vão gostar. Sim, isso é teatro de verdade. Teatro que angustia, morde nosso coração e cospe fora. Sim, isso vale a pena milhares de quilômetros percorridos e dores nas costas decorrentes da viagem. Isso é arte. Arte bem feita.


*Não que necessariamente VÁ ser pobre. Mas em matéria de teatro já vi textos lindos serem transformados em lixo e textos horríveis virarem pedras preciosas. Por isso, quando se fala em teatro, eu só acredito vendo.

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