Ok. Depois de Scarroll, eu estava razoavelmente impactado pelo poder que a performance tem de me causar sensações desconhecidas. Assisti Dr. Qorpo e embora tenha gostado, no momento em que a peça falha na dramaturgia e me transforma em espectador de personagens, eu de certa forma pensei cá com meus botões que teatro frontal, por melhor que seja o texto (existem monstros do nível de Harold Pinter e Sarah Kane), não fica tão bom encenado. Porque nada aprofunda você tão bem na experiência teatral quanto a performance.
E cá estou eu, fazendo meus julgamentos apressados de novo para ter minhas pernas quebradas no instante seguinte. Será que eu nunca aprendo?
Vamos eu e João ao fim do mundo assistir Gerald Thomas. O teatro era longe pra caralho. Eu lembro que ao ver um vídeo da peça eu fiquei meio cansado. Me parecia uma série de referências colocadas juntas para dizer "oh, como sou culto". Mas vamos lá.
A peça começa interagindo com você, graças ao humor. O texto realmente não tem limitações de pudor, e fala sobre o que quer da forma que quer. O primeiro personagem que fala na peça é Paulo Francis, através do rádio. Fazendo comentários nazistas.
A naturalidade com que os personagens interagem, a Fabi e o Ganso (um ganso de meia), falando sobre assuntos aparentemente díspares, mas no fundo conectados (como vemos no final), a Fabi surtando com a cocaína, com as roupas, com o ganso. Tudo funciona perfeitamente e nos dá uma sensação de imersão profunda enquanto estamos sentados nas cadeiras.
Não há muito mais o que falar, já que a peça se constitui primariamente de um diálogo entre os dois personagens (o que remete a Beckett e suas peças baseadas no diálogo eu/outro). O diálogo é crível. E profundo. E nos desperta em termos não apenas intelectuais. Nós acreditamos naquele ganso tosco feito de meia. Não me pergunte como. Mas acreditamos.
E acreditamos num revólver cenógráfico fake. E outras coisas claramente falsas. Mas é só o símbolo. É só o signo que o teatro mostra, apoiado pelo texto e pela presença dos atores, que nos move. O teatro não precisa mostrar fielmente como o cinema. Ele precisa fazer você acreditar. Gerald Thomas entendeu essa tradição do Teatro. E a usa com maestria. Ele é um monstro do teatro. Me mostrou que apesar de de cada um de nós ter afinidades com isso ou aquilo, qualquer teatro, qualquer arte, pode te tocar de uma forma que você não esperava. Eu saí do teatro atônito, com um frio no peito. Uma angústia delicada.
E ainda não entendo por quê.
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