Eu achei que depois de A Gênese Ordinária, mais nada em teatro aqui no festival significaria muito para mim. O Festival teve altos e baixos, mas depois de Catástrofe (de Borboleta) ontem, e depois que A Gaivota (Alguns Rascunhos) do Piolim não me tocou tanto, achei que tinha chegado ao ápice possível nesse festival. Que depois disso nada mais em teatro me tocaria do mesmo jeito.
Mas aí me aparece isso.
Jozú.
O encantador de ratos. De Hilda Hilst
Mas que texto filho da mãe.
Pra quem não sabe quem é Hilda Hilst (como se muita gente lesse isso aqui, né?),ela é uma escritora do porte de Clarice Lispector. Genial. Profunda. Complexa.
E muito, mas muito debochada.
O texto da peça é baseado numa ficção dela "O pequeno grande Jozú", que é um conto primoroso. Como são os textos da maturidade da Hilda.
Aí eu entro no teatro. Passo por cima de uns galhos e sento na cadeira.
A cena é composta por uma caixa, uma bengala fincada num vaso, uma escada de corda que vai para o alto, dois espelhos de corpo inteiro rachados, uma lâmpada e um local para se colocar um lampião. E um cocô no chão.
E é com esse cocô que o texto começa. Sem ânsias metafísicas. Com a questão de quem foi que cagou no poço em que Jozú vive.
Depois vêm as relações de Jozú com os dois outros personagens, Gozuel e Jozuelda, que passam o dia "metendo" e só depois que acabam alimentam Jozú.
Jozú é um encantador de ratos. Ele treina ratos e os faz dar saltos mortais. Esse rato já é o seu terceiro.
A atriz, Carla Tausz, interpreta todos os personagens que interagem com Jozú, assim como o próprio, por isso, não sabemos se esses personagens realmente existem. Mas a atriz, ao invés de brincar de teatro fazendo personagens claramente verossímeis e distinguíveis ou nos colocar um delírio claro na frente, nos põe dentro do delírio do próprio Jozú. É ele falando com ele mesmo. E conosco. Nos sentimos também personagem da história que ele conta, graças à interação que é feita com a platéia e da mesma forma com os personagens que não se encontram de corpo presente no palco. Esse é um dos pulos do gato da encenação.
E foi o que mais me levou a me identificar com Jozú, como os textos da Hilda já fizeram tantas e tantas vezes comigo.
Cada vez que ela passava na minha frente, e olhava nos meus olhos, eu tinha a sensação de ser um personagem da imaginação dela. E isso é muito estranho. E dói. A relação eu/outro, o meu ego se dissolveu naquela peça. Uma peça maravilhosa encenada com texto pronto, sem inserção visível dos atores (nesse caso, da atriz) sobre o texto.
Ela encarnou Jozú. Ela encarnou um pedaço da Hilda.
Eu encarnei os dois e fiquei me perguntando se também não estou num poço fundo, treinando ratos e construindo meu mundo assim. A partir de dejetos.
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